sexta-feira, 10 de julho de 2009

Um Atlético vogal

foto copyright: furacao.com


Ele não tinha os dentes da frente. Por isso, era impossível pronunciar as letras T e L. Não conseguia gritar “Atlético!”. Surgia lá dos confins do antigo ginásio de esportes, com estádio ainda vazio e soltava “Aaa ééé iii ooo!”. Ecoava por toda Baixada ainda de arquibancada com tijolinhos à vista, e as sociais de madeira em estilo art noveau. O estádio mais bonito que já vi.

Nós ainda garotos ríamos. Lá vinha o Coronel. Vendia amendoim, algodão doce, iguarias de arquibancada. Fosse o jogo que fosse, amistoso, campeonato, o Coronel ia onde o Atlético estava, por toda cidade.

O Atlético era a coisa mais importante da minha vida. Eu vivia dentro da Baixadinha. Até treino eu assistia. Chegava cedo aos jogos, e era dos últimos a sair. E lá vinha o “AAA ééé iii ooo!” retumbante. Coronel tinha este apelido não sei por quê. Era um velho polaco branco de ficar rosado.

Depois veio a juventude e a vida adulta e outras coisas tomaram meu tempo e minha alma. A minha vida e a do país mudou muito. Prioridades, dizem. Mas sou disso não. Sei lá. É a vida, e pronto. Por uns tempos o Atlético virou só um quadro na parede. Certo que eu ganhava um leve sorriso contemplativo toda vez que olhava a foto, ante o bigode do Roberto Costa e os olhos cínicos de Assis.

E vinha de memória o grito do Coronel arrepiando minha espinha. De pronto tomava outros afazeres, geralmente à máquina de escrever ou um antigo computador.

Já neste século, voltei à Baixada. O grito deste Atlético vogal, sem consoantes, já não existe mais. A impressão que tive é aquela de que a vida me tirou de lá, mas aquilo tudo não saiu de mim. Até hoje eu acho que o Coronel é um símbolo da alma atleticana, de um Atlético que a gente sempre pensa que é só nosso. Bobagem, talvez.

Me disseram, sei lá quando, que o Coronel morreu. Sei lá se teve minuto de silêncio ou não, mas um dia quero conclamar o grito da moçada, o grito do Coronel. Ele deve estar bradando sobre as nuvens do algodão doce que vendia, lá no céu de Caju e Jofre Cabral.

Hoje tem um outro quadro na parede: Gabiru, Geninho, Gustavo, Kleber e os olhos igualmente cínicos de Alex Mineiro. E vem o grito de novo.

“Aaa ééé iiii ooo!”. Olho para o caos do trânsito lá em baixo e volto ao teclado. Mas estou definitivamente de volta.

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