Flávio Jacobsen
Sozinho por Londres, numa rara tarde de céu azul, tomei o “busão” vermelho de dois andares, clássico. Depois, o metrô até a estação Waterloo a fim de fazer uma conexão.
Enquanto esperava o meu trem, lendo o Times, ouço uns turistas conversando ao lado. O que deu pra entender foi uma senhora contando a eles que aquela estação é de 1854. Conferi a informação. É isso mesmo. 153 anos! E não é a única da mesma idade. Há várias, de quando os ingleses inventaram o Underground.
Certo que, no período vitoriano, a Greater London já contava com 6 milhões de habitantes. Carroça pra todo lado. Infernal. O transporte por debaixo do solo foi uma necessidade e uma solução radical, que não veio sem qualquer contestação. Foi preciso muita discussão às margens de um Tâmisa ainda fedorento, até que os homens aprovassem as medidas que levariam ao início das obras.
Hoje são 268 estações e aproximadamente 400 km de trilhos, servindo 10 milhões de pessoas. Somente em Londres, fora o restante do país. Mal comparando, a cidade de São Paulo com seus 15 milhões de habitantes não conta com 70km.
Tudo me veio à mente por lembrar no ato de um Brasil que, até a minha infância, contava com trens que o ligavam praticamente de norte a sul. Eu vinha de Santos ao norte do Paraná de trem, feito um Pedrinho rumo ao Sítio do Pica-Pau Amarelo.
O problema é este. O Brasil já teve trens. Dá pra dizer que este país só é o que é por ter contado com trens um dia. E digo que o Brasil não é o que poderia ser porque um dia acabaram com os vagões de passageiros. O país saiu dos trilhos.
O trem já nos deu obras-primas. Dos gols de Pelé ao Trem das Onze de Adoniran. Sim, o futebol surgiu no Brasil pelas mãos de Charles Miller (filho de pai ferroviário), que trouxe a bola da Inglaterra. Então, sem o trem não haveria a primeira bola. Sem a bola, nada de Pelé. E nada do corintiano Adoniran, que não poderia ficar nem meio minuto com você.
Até na primeira página do Dom Casmurro, lá está o trem, com Bentinho indo trabalhar. O velho Machado tremeria no túmulo, ao ver onde chegamos.
Por estes dias paira no ar a conversa da criação do metrô em Curitiba. E vejam o futebol aí, de novo. Muitas cidades brasileiras poderão vir a ter o seu metrô construído ou ampliado, graças a uma exigência da Fifa para a Copa do Mundo. É por aí que as coisas vão.
Às margens do rio Belém, homens planejam tudo. Ao longo dos anos a estação de trem transformou-se em um shopping. Agora, é preciso uma estação para o metrô e ... Bem, deixa pra lá, ó pá.
Pelo que andei sabendo sobre o que virá a ser o sistema, vão eliminar as linhas de ônibus expresso para o trem passar subterrâneo. Bem, o “expressão” ainda funciona a contento no transporte da cidade. Sei não. Vão escavar tudo e no fim fazer um metrô pinga-pinga para parar praticamente nos mesmos pontos.
Dizem que é pra liberar o trânsito. Isso é balela. Em Londres mesmo, o trânsito é uma porcaria. Sem as carroças dos tempos da rainha Victoria, é verdade. Mas é horrível. De lugares que não conheço, e com ótimo sistema de trens como Nova Iorque e Tóquio, ouço falar a mesma coisa.
A diferença é que o cidadão tem a opção. Quer ter um carrão? Fique aí por horas no conforto do seu possante. Quer chegar mais rápido? Vá de trem.
Da Waterloo desci na Picadilly Circus, e fui tomar uma guiness num lugar qualquer. Na paisagem das ruas do Soho, por detrás do vidro do pub notei os mesmos turistas passeando faceiros entre os michês e prostitutas do lugar. A pé. Bacana.
Folha de Londrina – 13/03/2009
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