terça-feira, 26 de julho de 2011

Amy

Foto sem crédito.

Fonte: Solda

O sol explodiu na manhã deste sábado e o mar do sul da Bahia se transformou em várias cores, assim como o céu, as nuvens, as árvores, as flores, os pássaros, os bichos e até o vento. É assim sempre. Magia que atraiu as caravelas para nascer este país onde os índios foram dizimados e hoje vendem bugigangas para turistas ao pé da cruz monumentalmente ridícula em Santa Cruz de Cabrália, local da primeira missa e o início da esbórnia.

A força estranha do local, porém, permanece. Porto Seguro, Arraial d’Ajuda, Trancoso, Bahia de todos os santos. A brisa soprava quando veio junto a notícia. Ela morreu. Amy Winehouse foi encontrada morta em sua casa. Já tinha ouvido notícia assim, naqueles tempos. Janis Joplin e Jimi Hendrix, pois não? 27 anos, pois não? Talentos sublimes ceifados ainda em botão, só para um arremedo poético. Quando Elis Regina se foi, Elio Gaspari pariu o título de uma capa da Veja que dizia tudo e muito mais: “A tragédia da cocaína”. Foi execrado pelos babacas de plantão. Sim, aquela era uma tragédia da cocaína que matou nossa maior cantora.

Que tragédia anunciada essa da menina Amy. Havia até apostas para ver até quando seu coração e corpo resistiriam ao ataque sem dó nem piedade de todas as drogas. Isso tudo explorado pela máquina de moer carne do marketing tenebroso, sombrio, assim como vai ser daqui pra frente a exploração do cadáver, do martírio em vida de uma menina que sofreu a dor invisível, a dor inexplicável, a dor revertida em ataques de fúria movidos às substâncias fornecidas por aproveitadores de plantão, cafetões do talento alheio, manipuladores de sentimentos, enfim, carniceiros de possíveis presas como ela, certamente um ser sem carinho, que não conhecia nem o que, nós, fãs, sabíamos desde a primeira vez que a ouvimos: a grande voz surgida nos últimos anos. Única, universal, sentimental, acariciante, romântica, rasgante, visceral, ual!

Do alto do morro onde a praia de Mucugê é vista em boa parte da extensão, assim como os recifes que formam piscinas naturais e os barquinhos vão e voltam banhados pela luz do sol, ao saber da notícia lembrei que há mais de 20 anos, neste mesmo local passei três dias num porre só, aditivado por grandes cigarros de maconha, fumados à beira-mar em comunidade da paz e amor. Vexames não foram poucos. Senti o explendor do local, mas não vi quase nada e, depois da retomada do controle, alguns anos depois, me prometi voltar, para verificar o que tinha apenas imaginado.

Era muito mais. E a notícia triste me fez comparar ainda mais do que faço entre a vida de tormento anestesiada e transformada em inferno e a que chamamos de normal, de certa forma até pejorativamente,quando deveria ser o oposto.

Amy Winehouse não soube quanta loucura nos traz a caretice, um copo de água San Pelegrino tomada à beira de um piscina e vendo o mar, suco de manga, moqueca de peixe, feijão com arroz e bife acebolado, água de coco e olhar crianças brincando de bola na frente de uma igreja branca com mais de 200 anos de existência.

Alguém deveria prendê-la numa clínica, na tentativa de que um ano ou mais da abstinência e a ajuda de terapeutas fizessem a ficha dela cair, como se diz entre os pacientes internados. Aconteceu mais ou menos isso com Casagrande, o grande comentarista da Globo. Pode acontecer com qualquer um. O jogo, sim, é pessoal, mas a ajuda conta muito, pois vivemos no universo paralelo e é duro voltar ao que entramos quando nascemos.

A dor, a dor, a dor. A dor da existência, do não saber o porquê disso tudo, o medo, o abandono, a falta de carinho, a depressão… Isso tudo, imagino, levou Amy a explorar sua voz com emoção pura, que a fez ter reconhecimento mundial imediato e também o peso da fama que a encarcerou e esmagou.

Ficará para sempre, sim, talvez até sirva de exemplo para aqueles que dizem que ela fez que bem entendeu e a liberdade é para essas coisas. Teóricos de plantão servem para vomitar coisas do gênero. Não sabem o que é o vício, a dependência, a doença. Esqueçamos a cantora. Não seria muito melhor uma Amy anônima, mas viva? E ela, artista do encantamento, também viva e saudável, para nos enternecer até sabe-se lá quando?

Esta menina cometeu suicídio lento com cobertura da imprensa mundial. Que aguardou o dia de hoje, podem ter certeza. Vai vender jornal, revista, dar audiência nas tvs mundias, render discos póstumos – e ela será reverenciada como nunca. A grande voz, contudo, se calou. As drogas fizeram mais uma vítima. Algumas lágrimas caíram por isso, neste sábado de sol no sul da Bahia.





Zé Beto





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