sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Da série "amigos que escrevem bem"

O ESCRITOR DISCRETO

Mário Bortolotto

Eu tava lá, no camarim. Na verdade, não tava no camarim, simplesmente porque não suporto camarim. Eu tava na sala contígua ao camarim, deitado num sofá enquanto esperava o momento que eu teria que entrar no camarim e trocar de roupa pra fazer a peça. Só entro no camarim pra isso e saio de lá o mais rápido possível. Antes queria dizer aqui o quanto admiro pessoas discretas. Quando era moleque, gostava de sentar na última carteira na sala de aula. Não gostava de conversar com ninguém e não gostava que me notassem. Ainda hoje sou assim. Fico um pouco envergonhado de mim mesmo nas noites em que completamente bêbado, costumo falar pelos cotovelos, me fazendo notar e esbanjando erudição pop (a única erudição que consigo esbanjar). Nessas noites fico impertinente, exagerado, um puta mala mesmo. E no dia seguinte fico com vergonha de mim. Gosto mesmo é de pessoas discretas que não se fazem notar e talvez por isso mesmo me chamam muito mais a atenção. E ele entrou lá. Eu tava deitado, no sofá. O escritor. Eu sabia quem ele era. Nós não fomos apresentados, felizmente, já que eu não me sentiria à vontade com isso. Então fui agraciado com a oportunidade de permanecer anônimo e me foi dado o direito de ficar apenas observando. Sossegado, cool, de um jeito admirável. Ele se sentou lá, e os malas apareceram, é claro. E pediram autógrafos, e pediram pra que ele tirasse fotos com eles. Malditos celulares. Hoje em dia, todo mala tem um celular com uma câmera e ele sempre quer tirar uma foto com você. E ele nem faz a menor idéia de quem você é exatamente. Mas ele acha que você deve ser importante e aí fudeu. E ele pacientemente autografou os livros e tirou fotos e balançou a cabeça e sorriu pacientemente como um monge. E a sua esposa támbém foi extremamente gentil com todos. E eu fiquei lá, deitado, só observando e de alguma maneira, tentando permanecer solidário. Aí o segundo sinal tocou e eu tive que ir lá fazer a peça. E durante o tempo em que fiquei ouvindo Blues no meu MP3 antes de entrar em cena, fiquei pensando no escritor discreto, no sujeito paciente que não parece ser afeito a nenhum tipo de badalação, mas ao mesmo tempo é gentil e procura ser agradável com as pessoas que requerem sua atenção. Percebi naquele momento que ainda há pessoas como ele por aí. Caras que apenas querem fazer o seu trabalho e sabem que à reboque vem uma porrada de chatice que ele terá que aguentar. Eu me senti um pouco mais forte, de alguma maneira, amigo de um sujeito que jamais será verdadeiramente meu amigo. Mas entrei lá pra fazer a peça, me sentindo menos sozinho. E consegui compreender uma porrada de coisas só de olhar pro escritor. Lá, sentado no sofá, acompanhado de sua esposa, tão compreensiva quanto ele, mas um pouco mais à vontade (pelo menos me pareceu) com o assédio e com toda a incoveniência. Passei o resto da noite pensando no escritor, no seu comportamento, no seu jeito cool, que há muito eu já admirava e que agora só reafirmou a impressão. Voltei pro hotel, com um pouco mais de paz, graças à ele. Gostei de ficar deitado no sofá, olhando, admirando e aprendendo com Luís Fernando Verissímo. Discreto como ele é, não deve nem ter a noção do quanto às vezes ele é importante para algumas almas desesperadas como a minha.

Mário Bortolotto é escritor, ator e diretor de teatro. Toca numa banda de blues e rock. É meu brother da "galera de Londrina". Mora em São Paulo e escreve neste blog: http://atirenodramaturgo.zip.net/

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